Depois de ler The Age of Surveillance Capitalism, fico com a sensação de que me estão a roubar o futuro. Shoshana Zuboff explica como caminhamos em direção à era do instrumentalismo.
Diz-se que se um produto é gratuito, então nós somos o produto. No que às redes sociais diz respeito, Shoshana Zuboff argumenta que não é bem assim. Em The Age of Surveillance Capitalism, explica que, mais do que o produto, somos quem fornece a matéria-prima que alimenta as receitas de grandes empresas como a Google e o Facebook.
Este livro é uma obra-prima que nos dá ferramentas essenciais para compreendermos a era de exploração em que vivemos. Com uma prosa original e extremamente elegante, a autora convida-nos a segui-la numa odisseia intelectual de compreensão do instrumentalismo que se está a abater sobre o nosso futuro, através da mineração dos nossos dados. Esses sim, o verdadeiro produto.
Depois de vários anos de reflexão e investigação, Shoshana Zuboff concluiu que a sociedade em geral não tinha como entender o que é este “capitalismo de vigilância” e a nova “fronteira do poder”. Da mesma forma que o totalitarismo não foi logo entendido quando surgiu. É por isso que este livro deveria ser leitura de cabeceira de eleitores e daqueles que os representam.
O direito ao tempo futuro
A primeira metade do livro explica com factos e citações como chegámos até aqui. Explica também o que é este aqui — como a invenção do “capitalismo de vigilância” pela Google levou à criação de um mercado onde estão à venda os nossos comportamentos futuros. Já não é um exclusivo da Google e do Facebook. Hoje, até o nosso aspirador-robô é apanhado a vender o mapeamento das nossas casas numa lógica de “simples roubo”. O pecado original que não soubemos identificar no passado.
A segunda metade da obra é uma profunda reflexão sobre as consequências deste caminho que trilhamos, tantas vezes sem o sabermos. Shoshana Zuboff explica como os designados “capitalistas de vigilância” — conceito onde inclui Larry Page (Google), Eric Schimdt (Google) ou Mark Zuckerberg (Facebook) — reclamam o direito a saber tudo sobre as nossas vidas, sem que haja qualquer tipo de controlo ou de regulamentação sobre estas operações obscuras.
Para a autora, há dois “textos”. O primeiro é-nos visível — são as publicações e conteúdos que, por exemplo, publicamos nestas redes. O acesso à segunda camada está vedado e o nosso eventual acesso seria uma ameaça existencial ao negócio destas empresas.
Neste nível está o nosso excedente comportamental. Porque cada uma das nossas pesquisas no Google representa muito mais do que o termo pesquisado per si. Há muitos dados a recolher e a aproveitar, como o contexto, a hora a que a pesquisa foi executada e diversos outros data points.
Face a tudo isto, Shoshana Zuboff insta-nos a que reclamemos o nosso direito ao tempo futuro. Um tempo futuro que volte a ser escrito e decidido por nós, livre das manipulações subtis que nos conduzem a ações em linha com o interesse de quem puder pagar mais.
A autora insiste ainda numa regulação mais apertada sobre os dados que podem ser recolhidos pelos “capitalistas de vigilância”, numa altura em que a “indiferença radical” destas empresas rapidamente conduzirá a uma instrumentalização quase completa do nosso ser, em nome de uma certeza desumana. “Let there be a digital future, but let it be a human future first.”
The Age of Surveillance Capitalism é um livro extenso e profundo. Exige abertura e disposição mental para que incorporemos a complexa e difícil reflexão que nos é apresentada. Mas aborda um problema importante que tem de ser encarado agora. Faço minhas as palavras de Naomi Klein: “From the very first page I was consumed with an overwhelming imperative: everyone needs to read this book as an act of digital self-defence.” Não podia dizer melhor.
Título: The Age of Surveillance Capitalism
Autora: Shoshana Zuboff
Ano: 2018
Editora: PublicAffairs
Páginas: 704
Preço: 15,56 euros (Wook)
Também há a tradução para português.
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